Amamentação, antropofagia e wagyu

A gravidez mexe com a gente. Literalmente. Seu coração muda de lugar. Mas também mexe com nosso cérebro, que entra em sintonia com todo seu corpo para a fabricação daquela vida que satisfaz sua necessidade biológica de preservação da espécie. Seu assunto principal vira o bebê, tudo que você fala e pensa tem a ver com ele. No meu caso, com o Oli, minha azeitoninha. E minha vida acadêmica sofreu esse impacto justamente durante as aulas de Metodologia de Pesquisa da pós-graduação Gastronomia: História e Cultura, em que fomos desafiados a apresentar uma proposta de pesquisa acadêmica.

Lá estava eu, agosto de 2020, grávida de sete meses, tentando unir minha presente obsessão e as minhas obrigações acadêmicas, quando a inspiração veio do útero. O primeiro alimento de uma pessoa é o leite. No caso do Oli, o meu leite. Se tudo desse certo – deu, está dando, estamos no quinto mês de aleitamento materno exclusivo -, eu seria, sou, a primeira fonte de alimento do meu filho. Eu seria comida. Surgiu então a minha proposta de pesquisa, entender a percepção das mães que amamentam sobre si mesmas como alimento e produtoras de alimento na cultura e sistema alimentar brasileiro.

Proposta apresentada, boa avaliação. Corta para outubro. Oli nasce. Hora dourada. Leite desce lavando meu corpo inteiro de ocitocina e deixando meus peitos doloridos e inchados – no quinto dia ficaram tão cheios que ficaram quadrados, pareciam duas caixinha de leite de verdade. Passei as primeiras semanas tão bêbada de amor químico que não pensei um minuto sequer no significado antropológico, sociológico ou psicológico de alimentar meu filho com meu corpo.

Aí as cólicas começaram. E com elas a restrição a leite na minha dieta, porque ele poderia ser alérgico.

Prometo um relato detalhado de como foi ficar dois meses sem comer leite, derivados ou qualquer comida que pudesse conter traços de leite. Mas o que importa nessa história aqui é que essa restrição me fez voltar a pensar em mim como comida/produtora de comida. Minha dieta tinha mudado porque meu corpo tinha virado comida. Minha dieta tinha mudado porque meu corpo precisava mudar para poder alimentar da melhor forma possível outra pessoa. Eu tinha virado uma vaca wagyu. Só que sem massagem ou cerveja. Muuu…

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