Aprendendo a cozinhar com as palavras

Eu nunca fui uma grande fã de cadernos de receita. Em casa não tinha um caderninho florido herdado da bisa, da vó ou feito com muito carinho pela minha mãe. Eu aprendi a cozinhar vendo, ouvindo e comendo. Minha mãe até tinha livros e revistas de receita em casa, mas eu confesso que nunca vi essa mulher seguir um passo a passo a risca. A tradição da família Silva é oral.

Meu desafeto pelos cadernos já chegaram a se estender aos livros de receita, filha dos anos 1980 com precoce acesso à internet, eu não via muito sentido em ter livros se eu poderia achar variações mil do que eu queria fazer em alguns segundos em forma de vídeo, texto e com comentários de quem já tinha feito antes. Isso mudou quando eu me apaixonei pelo que há por trás da comida: as pessoas. Ler as histórias, os porquês e as dicas que cada cozinheiro coloca em seu livro é tão delicioso quanto experimentar receitas. O design gráfico primoroso também ajudou a me render a seção de gastronomia das livrarias.

Mas os cadernos de receita seguiram ignorados pelo meu coração e estômago. Guardei minhas receitas favoritas na memória e com marca páginas físicos e digitais, e segui a vida conferindo ingredientes e modos de preparo esquecidos na tela do celular ou páginas engorduradas da minha hoje preciosa e pequena coleção de livros de receita.

Confesso que cozinhar com o livro aberta na bancada me faz sentir bem, especialmente porque hoje tenho uma cozinha planejada para isso, com muito espaço de bancada – o briefing para a arquiteta foi: eu quero um espaço em que dê para cozinhar onde quer que eu encoste. Mas ficar colocando o dedo cheio de farinha, sujo de ovo na tela do celular era muito insalubre. Eu tava a isso aqui de comprar um caderno superfaturado escrito receita na capa quando entrei despretensioasamente na Tok&Stok e vi que a latinha e os bloquinhos de receita da Raiza Costa estavam numa promoção imperdível. Me rendi!

Trouxe as belezinhas pra casa e comecei finalmente a registrar algumas receitas no papel. Primeiro as que moravam na minha cabeça e que eu quero que o Vitor e o Oli possam reproduzir um dia sem depender de mim. E depois as que eu sempre buscava na internet para consultar, aproveitei para registrar as adaptações que eu faço e deixar minhas dicas para os futuros cozinheiros da casa Passos-Marguti seguirem.

receita de pappa al pomodoro da Marília Passos

Entendi finalmente a beleza de registrar de forma manual uma receita. Mas o melhor é que ao escrever a receita eu finalmente a aprendi, tanto que raramente consulto minha latinha depois que uma receita entra lá. Estou aprendendo a cozinhar com as palavras, escrevendo.

Esse texto faz parte do desafio de escrita da Lura Editora #lura10dias.

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