Era um bolinho de baunilha amarelinho…

Eu fiquei muito tentada a dedicar todo a energia que me resta depois de passar o dia entretendo meu ranhento num dia de férias chuvoso numa paródia de Biquíni de Bolinha Amarelinho depois que pensei na frase que nomeia esse texto inspirado no bolinho Ana Maria sabor chocolate com baunilha que vem na embalagem amarela… Mas resisti e desisti, focando minha reflexão numa questão que eu não esperava me bater a essa hora da noite: que gosto tem a minha infância e por quê?

Quando eu saí de casa pela segunda vez hoje na tentativa de distrair e alegrar o saquinho de carne que amo mais que tudo nessa vida, também conhecido como filho, eu já sabia que corria o risco de entrar num ícones do capitalismo: as lojas em que você encontra uma coisa que precisa urgente mas ainda não sabe – Lojas Mel, Multicoisas, 1a99 e companhia. Mas não imaginei que iria achar lá meu bolinho preferido de Ana Maria. Apesar de uma combinação clássica de sabores chocolate e baunilha, o pacotinho amarelo não cruza comigo num corredor de supermercado a um bom tempo. E eu me envergo de dizer que tenho sim procurado essa iguaria da minha infância.

Pois bem, atraída por um paredão de potes para toda infinidade de situações que eu não vivenciarei, entrei na loja e logo na entrada a menina loirinha que estampa a embalagem de todas as Ana Marias sorriu para mim. Peguei mais unidades do que gosto e vou admitir e joguei numa cestinha. Oli perguntou o que era aquilo. Contei que era um bolinho e que a mamãe adora e ele disse que não queria. Respondi com muita maturidade que tudo bem porque não era para ele mesmo, mas tudo para mim.

Corta para o sofá de casa algumas e alguns bolinhos devorados depois, estou pensando no que escrever pro segundo dia do desafio de escrita da Lura Editora quando a menina loirinha da embalagem sorri novamente. Considero a paródia citada no primeiro parágrafo, mas logo em seguida decido seguir por um caminho mais pessoal. Quero escrever sobre porque esse diacho dessa massinha que nunca chegou perto de uma fava de baunilha de verdade mexe tanto com meu estômago e meu coração.

Caí no clichê do gosto de infância. Sim, Ana Maria é uma comida que me remete à infância. Mas não me parece justo dizer que esse é o gosto da minha meninice. Minhas primeiras experiências alimentares têm sim um toque de ultraprocessados. Mas também tem gosto de amora colinha do pé, galinha cozinha que eu vi minha vó matar no quintal, suco de laranja com beterraba e cenoura, bife de fígado e moela refogada, batata doce assada na fogueira de São João e mais um infinidade de pratos maravilhosos que muita gente esnobe por aí, incluindo eu há alguns anos, chamaria de “comida de verdade”.

Aí me pego pensando. Minha infância tem muitos gostos. E não é possível que esse mix de sabores caipiras raiz com o puro suco de conservantes impronunciáveis seja um fenômeno exclusivo da Casa Silva Camargo Passos. A pós-graduanda do curso de Gastronomia: História e Cultura do Senac em mim se animou toda com as possibilidades de questionamento aqui. Será que é algo geracional? Millennials também se encontram na dobra histórica da alimentação? Ou pode ser uma questão de classe, e essa infância é típica da primeira geração que não nasceu na roça, filha dos que tiveram mais acesso ao delicioso mundo dos ultraprocessados que não vinham na cesta básica?

Deixo e levo essas questões para um outro momento. Quem sabe quando as aulas do pequeno voltarem, minha vida de pesquisa acadêmica volte também?


Aproveito para deixar aqui um convite para você acompanhar o trabalho emocionante que a jornalista Debora Diniz está fazendo reunindo e compartilhando relatos de mães que sofreram e sofrem com misoginia na academia.


Esse texto faz parte do desafio de escrita da Lura Editora #lura10dias.

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